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22/09/2017 - Crianças vulneráveis a abusos sexuais em escolinhas de futebol no Brasil

21/09/2017
 
Sem “legado da Copa”, casos de abuso e tráfico de jovens jogadores persistem em clubes e escolinhas.
Deputados cobram da CBF acordo firmado com CPI em 2014

 
Nesta terça-feira, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública para debater abuso e exploração sexual de crianças no futebol brasileiro. No entendimento dos deputados que compareceram à reunião, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deixou de cumprir um pacto firmado em 2014 com a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em que se comprometia a adotar 10 medidas para evitar abusos sexuais e tráfico de jovens jogadores em categorias de base e escolinhas. Na época, a ideia era aproveitar a ocasião da Copa do Mundo para deixar um legado à proteção dos direitos infanto-juvenis no Brasil. Porém, mais de três anos depois da assinatura do acordo pelo então presidente da entidade, José Maria Marin, a comissão concluiu que a CBF efetivou parcialmente apenas duas medidas sugeridas pela CPI.

Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), que presidiu a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o não cumprimento do pacto significa “um desrespeito ao Congresso Nacional e às vítimas de abusos sexuais cometidos por treinadores, massagistas, olheiros e dirigentes”. O atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que, em 2014, acompanhava José Maria Marin no momento da assinatura do acordo como vice-presidente da entidade, foi chamado para prestar esclarecimentos na audiência, mas não compareceu. A confederação tampouco enviou representantes ao encontro, assim como o Ministério do Esporte – que não justificou a ausência do ministro Leonardo Picciani. O secretário-geral da CBF, Walter Feldman, alegou que um problema de saúde o impediu de viajar a Brasília e sustentou que a entidade está honrando o acordo. No entanto, os membros da Comissão apontam que não encontraram indícios do cumprimento integral das medidas por parte da confederação.

Das 10 ações propostas, a CBF só cumpriu duas: campanhas educativas e criação de um grupo interno de trabalho, que não produziu nenhum resultado. Então, a CBF foi desonesta e tem sido desonesta ao não enfrentar a discussão”, afirma Kokay.  A deputada observa que há um grave quadro de violações de direitos infanto-juvenis em escolinhas e clubes espalhados pelo país. Desde 2011, foram registrados pelo menos 102 casos de abuso sexual relacionados ao futebol, com base em um levantamento de ocorrências policiais e processos na Justiça. Autoridades estimam que esse número seja muito maior, já que violências sexuais contra crianças e adolescentes, sobretudo do sexo masculino, ainda são pouco denunciadas. A reportagem do EL PAÍS solicitou ao Ministério dos Direitos Humanos dados do Disque 100, serviço que registra denúncias de violência sexual, mas não recebeu o detalhamento de informações referentes a casos ligados ao futebol.

Uma das providências tomadas pela Comissão nesta terça-feira foi um pedido de acompanhamento do escândalo de abuso sexual descoberto na cidade de Ribeirão Branco, interior de São Paulo, em agosto. Técnico de futebol em um projeto social na zona rural do município com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado, Altamir Pontes de Matos foi indiciado por estupro de 17 garotos, com idades entre 8 e 11 anos. Laudos do Instituto Médico Legal de Itapeva confirmaram a violência sexual em 11 deles. Outros cinco o denunciaram por assédio e atos libidinosos. As vítimas relataram que o treinador as ameaçava dizendo que mataria seus pais caso revelassem os abusos.

O deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), que presidiu a CPI do Tráfico de Pessoas e apurou diversas denúncias ligadas ao futebol, entende que é preciso corresponsabilizar não só a CBF, mas também os clubes pela proliferação de abusos em categorias de base. “Olheiros e abusadores garimpam jogadores em regiões pobres do Brasil com a promessa de levá-los para um clube grande. Isso soa como um bilhete premiado para as famílias, que acabam permitindo que seus filhos viagem para outros estados com pessoas que mal conhecem”, diz ele. “Temos que acabar com esse cenário de vulnerabilidade de crianças e adolescentes no futebol. E o caminho é exigir responsabilidade solidária dos clubes e da CBF para que se encarreguem de garantir os direitos dos jovens atletas brasileiros.”

Uma das propostas debatidas na audiência é fazer com que a CBF seja responsável por fiscalizar escolas de formação de atletas destinadas a crianças e adolescentes. Desde 2014, o projeto de lei tramita na Câmara dos Deputados. Já foi aprovado pela Comissão de Esporte e agora aguarda parecer na Comissão de Seguridade Social e Família. Outros projetos ligados aos direitos infantojuvenis no futebol também aguardam aprovação, como o que prevê registro obrigatório de clubes e escolinhas em conselhos tutelares e o que obriga instituições esportivas a exigir certidão negativa de antecedentes criminais para os profissionais que trabalham com crianças. Após a audiência, os deputados prometeram montar uma força-tarefa para desengavetar todas as propostas.


Fonte:
EL PAIS - Brasília
Por:
Breiller Pires
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